Técnicas do Ibram destacam uso excessivo da bacia do Melchior e inadequações de abatedouro
A Comissão Parlamentar de Inquérito do Rio Melchior ouviu nesta quinta-feira (11) o depoimento de duas representantes do Instituto Brasília Ambiental (Ibram), a superintendente de Fiscalização, Auditoria e Monitoramento (Sufam), Simone de Moura Rosa, e a superintendente de Licenciamento (Sulam), Nathália Lima de Araújo Almeida.
A superintendente de Licenciamento, Nathália Lima de Araújo Almeida, declarou que os empreendimentos já licenciados no Rio Melchior impedem a melhoria futura na classificação ambiental do manancial. “Em termos das atividades que nós licenciamos lá no Brasília Ambiental, verificamos o hiperuso daquela bacia. Então, em que pese nós termos os licenciamentos acontecendo e, em sua maioria de forma regular, temos indícios fortes de hiperusos que, se mantidos, impedem futuramente as ações que precisamos para melhoria da classe do corpo hídrico para quem sabe uma classe 3”, asseverou a superintendente.
A presidente da CPI, deputada Paula Belmonte (Cidadania), questionou se os empreendimentos estão usando o Melchior além do permitido no licenciamento. A resposta de Nathália foi negativa. “Temos cada um [empreendimento] dentro da sua regularidade, mas quando somados dão um efeito que impacta a capacidade de autodepuração do Rio Melchior, que é a capacidade do rio de ir diluindo aquele poluente. A água vai depurando aquele poluente. O estudo que a Caesb nos apresentou diz que o Melchior, apesar de tudo, ainda tem uma boa capacidade de depuração. No entanto, da forma como está, se não conseguirmos ter ações mais enérgicas, não conseguiremos que esse rio se torne classe 3, por exemplo”, explicou a técnica.
Nathália destacou que “há dois empreendimentos realizados na região sem licenciamento ambiental vigentes: a Suinobom e Bonasa”. Segundo ela relatou, “nesta situação as atividades ficam sujeitas a sanções, medidas de fiscalização e ações fiscais”. “São atividades de potencial poluidor, que têm a obrigação de ter suas licenças, mas que neste momento não têm. Isso já foi detectado pelo órgão ambiental e já foram tomadas providências”, afirmou Nathália Almeida.
Fiscalização
Já a superintendente de Fiscalização, Auditoria e Monitoramento, Simone de Moura, disse que o número de ações de fiscalização realizadas surpreendeu até mesmo o setor. “Temos 673 ações fiscais realizadas nos últimos cinco anos dentro da bacia do Melchior. Foram 12 áreas embargadas neste período por conta de situações que não deveriam estar acontecendo. No momento, ainda são 11 [áreas] embargadas causadas por uso indevido do solo e parcelamento”, declarou Simone.
Ela explicou as diferentes classificações. “Empreendimentos que podem gerar poluição pontual, que despejam efluentes no rio: a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Melchior e Samambaia, a Estação de Tratamento de Chorume, e a JBS/ Seara. As que geram poluição difusa, que estão nas proximidades: Frigocampo, Bonasa, Suinobom, Comercial de Alimentos Prata e a Mineradora Nossa Senhora Aparecida. Por fim, também verificamos atividades que geram poluição difusa, que são despejo de resíduos sólidos, drenagem pluvial, lançamento clandestino de esgoto e supressão de vegetação, entre outros”, detalhou Simone Moura.
A superintendente de Fiscalização chamou atenção para o empreendimento da JBS. “É uma das partes mais importantes do nosso relatório. A Seara realiza hoje uma atividade de abate de 280 mil aves por dia. Verificamos que lá tem uma série de incidentes ambientais, problemas operacionais e não conformidades. Temos vários autos de infração dados para que ela se regularizasse. Ela vem descumprindo situações da licença”, destacou Simone.
Paula Belmonte relatou o que viu na visita técnica realizada pela CPI. “Eles descartam muito pouco na realidade porque todo o insumo é reaproveitado, então só descartam a água suja. É crime ambiental. As máquinas todas vazando, tudo cheio de sangue, sem nenhum tipo de impermeabilização. Inclusive nós vamos atuar na vigilância sanitária. Cai no meio ambiente e as pessoas estão ali usando o lençol freático com a poluição daquele jeito. Uma coisa muito feia de ver”, declarou a presidente da CPI.

Simone Moura completou informando o que foi verificado junto à Seara no fim de 2024. “Lá a gente já constatou desmoronamento de talude, vazamento de amônia, odores e rompimento na tubulação, além de problemas no emissário e no poço de visita, ocorrência de processos erosivos, efluente de aspecto rosado e odor forte, inadequação na estrutura do dissipador de energia para conter o volume de efluentes”, disse Simone.
A servidora Nathália também apresentou o painel de consulta de licenciamento ambiental do Ibram, que permite o acompanhamento em tempo real, inclusive por empreendimento, por região administrativa, por unidade de conservação e até por unidade hidrográfica.
Questionamentos
O relator da CPI, deputado Iolando (MDB) questionou se há servidores suficientes para o Ibram, sobretudo nos setores de licenciamento e fiscalização.
A superintendente de Licenciamento afirmou que são insuficientes. “Não temos deputado. Temos hoje uma equipe praticamente 40% menor do que no início do concurso, datado de 2009 e foi o único que aconteceu para os analistas. Temos hoje 30 analistas no licenciamento do Distrito Federal todo”, lamentou Nathália. Questionada sobre quantos seriam necessários, ela disse que seria preciso “facilmente dobrar” o número de hoje.
Iolando perguntou ainda se o Ibram considera suficiente a capacidade de fiscalização. “Pela classificação do rio e a complexidade, a quantidade de servidores é suficiente”, indagou Iolando. “Hoje temos um bom corpo técnico de auditores fiscais, são 123. O nível 4 na verdade é muito permissivo. Então, permite que se jogue efluentes com um nível mais elevado”, respondeu Simone.
“Estamos vendo aqui e fica uma pauta positiva da CPI [que é preciso] pedir mais recursos humanos para o Ibram porque estamos falando de uma Brasília muito grande e temos só 30 analistas para fazer licenciamento. É uma realidade, a gente precisa de recursos humanos”, defendeu Belmonte. No mesmo sentido, Iolando relatou que já fez contato com o governador e espera bons resultados. “Semana passada estive com o governador, apresentando essa necessidade da convocação de novos auditores e temos um encontro hoje com o novo secretário de Economia para tratar a possibilidade da convocação. Espero que tenha um bom resultado e que a gente possa anunciar a convocação de novos auditores”, afirmou o relator.
Multas
A deputada Paula Belmonte perguntou quantas multas foram aplicadas e os valores pagos nos últimos dez anos nos três empreendimentos que despejam efluentes diretamente no Melchior. A superintendente de Fiscalização, Simone Moura, informou que esse dado não consta do relatório. Então a presidente da CPI solicitou que o relatório seja complementado com este dado com a máxima brevidade.
Área rural
Em resposta a outro questionamento feito por Paula Belmonte, Nathália informou que há uma grande defasagem na análise de imóveis rurais. “Hoje na plataforma federal, o Sistema de Cadastro Ambiental Rural (Sicar), temos 20 mil imóveis cadastrados. Todos esses imóveis devem ser homologados pelo órgão ambiental [local]. Até hoje nós conseguimos analisar 1.000 apenas. Temos só um servidor dedicado a essa tarefa. Para analisar uma propriedade, passa no sistema por 60 telas. É uma tarefa que talvez até a gente se aposentar não consegue terminar”, contou Nathália.
Chorume
Em relação ao aterro sanitário, Paula Belmonte questionou sobre o chorume. “Eu estive lá e vi o chorume sendo jogado com uma cor escura. Não foi ninguém que me mostrou. Estivemos lá em uma ação fiscalizatória e estava acontecendo isso. Foi um dos motivos dessa CPI. Esse tratamento não traz confiabilidade, a mim pelo menos”, relatou a deputada.
“A senhora foi cirúrgica em relação ao tratamento. Esse tratamento que venceu a licitação gera dúvidas até hoje ao corpo técnico e por isso há necessidade das contraprovas. Existe uma dúvida grande”, respondeu a responsável pelo licenciamento ambiental do Ibram.
PDOT
Em relação ao Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT), a presidente da CPI solicitou que sejam encaminhadas para a comissão as recomendações do Ibram para o projeto. “Precisamos desse relatório com todas as recomendações para a Seduh em relação ao PDOT”, afirmou Paula.
Legislação
O deputado Gabriel Magno (PT) e a presidente Paula Belmonte perguntaram quais avanços são necessários na legislação. “Uma empresa que polui um rio, que causa tanto estrago na sociedade, continua aberta. É um problema de instrumentos? E como o Legislativo pode pensar em instrumentos [de legislação] ou é preciso rever [regras] operacionais”, questionou Magno.
Simone respondeu que é fundamental atualizar a legislação. “Hoje a gente segue a Política Distrital do Meio Ambiente, que é de 1989. Existe uma proposta de atualização que já está aqui na Câmara. É muito importante. Imagina quanta coisa não se mudou de 89 para cá, até mesmo nas penalidades aplicadas. Existem casos em que nossa legislação distrital não prevê uma penalidade e nós usamos a lei federal para fazer as autuações. A gente tem essa lacuna. O importante é ter essa modernização”, disse a superintendente de Fiscalização do Ibram. Ela também assinalou que é preciso atualizar o valor de referência utilizado pela legislação distrital para aplicação de multas ambientais. “O Ibama consegue aplicar multas altas. Aqui no DF a gente aplica multas [ambientais] em alguns empresários, mas eles preferem pagar multas a se regularizar. É mais barato pagar”, contou Simone.
O distrital Gabriel Magno também defendeu um trabalho conjunto para que a classificação do rio Melchior seja alterada para que não se permita tanta poluição no curso d’água. “Não significa dizer que amanhã o rio sairá da classe 4, mas sim quais os esforços coletivos que o Estado e a sociedade precisam fazer para chegar nesta condição”, defendeu o parlamentar do PT.
O deputado Rogério Morro da Cruz (PRD), membro do colegiado, também participou da reunião.